DIÁLOGO ENTRE GÊNIOS
- Daniel Frazão

- 9 de jun.
- 3 min de leitura
- Que merda é essa que você fez?! - gritou Gauguin.
- Cortei minha orelha - disse Van Gogh.
- Posso saber por quê?
- Por causa de uma mulher.
- Ela pediu pra você cortar sua orelha?
- Não. Foi ideia minha.
- Uma tremenda ideia de jerico, se quer saber.
- Achei que pudesse dar certo.
- Dar certo?
- É, eu queria impressioná-la.
... - Com uma orelha decepada?
- Não é qualquer orelha. É a minha.
- Vincent, você é um desempregado sustentado pelo irmão! O que isso tem de tão especial?
- Eu também pinto de vez em quando, como você bem sabe.
- Muita gente pinta, nem por isso sai decepando a própria orelha e achando que fez uma
grande coisa.
- Você não está vendo a essência do ato.
- Que essência?
- Eu fiz um sacrifício por amor. Coloquei alguém acima do meu próprio bem-estar.
- Amor?
- É, eu a amo, Paul.
- Quem? Aquela moça da taverna?
-É.
- Você a ama?
- Amo.
- Ela é uma prostituta! Era só pagá-la! Pelo amor de Deus! Não precisava cortar a orelha!
- Não tenho dinheiro.
- Isso é verdade. Ainda assim, você fez uma baita burrada. Se queria dar algo a ela, por que não
deu um dos seus quadros?
- Nunca vendi um quadro na vida. Acho que ela não ia se impressionar. Além do mais, não
estou satisfeito com eles. Sinto que estou me repetindo.
- Isso também é verdade. Os girassóis já estão me dando nos nervos.
- De qualquer forma, a ideia da orelha não deu certo.
- Não é de se estranhar.
- O que acha que fiz de errado, Paul?
- Além do fato de ter cortado a própria orelha?
- Não banque o engraçadinho. Meu coração está ferido.
- Você inteiro está ferido.
- É sério, ela não liga pra mim.
- Porque é uma prostituta!
- E...?
- E você é pobre!
- A vida não se limita a riquezas materiais. Sou outras coisas além de pobre.
- É, também é burro. Se tem alguma dúvida, dê uma olhada no espelho e veja a cagada que
você fez.
- Caso já tenha se esquecido, eu sei pintar. Isso não tem valor algum?
- Era o mínimo de se esperar. Afinal, alguma coisa você tinha que saber fazer.
- Paul, você não está sendo um bom amigo...
- Vincent, entenda uma coisa: você não precisa de um bom amigo, precisa de um bom médico.
Agora, onde está a orelha? Talvez ainda dê tempo de costurá-la.
- Tarde demais. Ela a jogou no rio.
- Puta que pariu... Puta que pariu...
- Não fique assim, Paul. Acredite, estou mais chateado pela perda do amor que da orelha.
- Isso porque ainda não se olhou no espelho. E o que direi ao seu irmão? "Theo, Vincent não
fez as compras do mês porque gastou o dinheiro que você mandou com uma bela caixa de
presente e uma fita vermelha para embrulhar a orelha que ele decepou de si próprio e
mandou pelo correio para uma prostituta." Vincent, isso é coisa de psicopata!
- Agora você está insinuando que eu tenho problemas mentais?
- E resta alguma dúvida? Vincent, você tem todos os tipos de problema que um ser humano
pode ter. Quando acho que não dá pra piorar, você me faz uma dessas.
- Isso não vai se repetir.
- Não vai mesmo. Estou caindo fora.
- O quê? Você vai embora? Paul, como vou pagar o aluguel sozinho?
- Isso não é problema meu.
- Paul!
- Já chega, Vincent. Eu me cansei das suas idiotices e dos seus girassóis.




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